sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A imprecisão e a distorção

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De Dalmo de Abreu Dallari para o Observatório da Imprensa

O noticiário sobre matéria jurídica envolve sempre algum tipo de interesse social, ainda quando se refira a fatos relacionados com o comportamento ou a situação de uma pessoa determinada. Com efeito, ninguém vive fora de um convívio social e, de uma forma ou outra, com maior ou menor intensidade, tudo o que se relaciona com os direitos e responsabilidades de um indivíduo tem alguma repercussão na ordem jurídica e, portanto, nos direitos de outras pessoas.

Por esse motivo, é importante que ao noticiar ou comentar um acontecimento ou uma situação determinada, com alguma conotação jurídica, a imprensa procure externar-se com precisão, pois isso permite a correta compreensão e avaliação por parte de quem tem formação jurídica, evitando, também, que os leigos sejam erroneamente informados e formem sua convicção com base numa informação errada ou imprecisa.

Essa observação quanto ao cuidado com a matéria jurídica não significa que se pretenda que a imprensa diária use a linguagem ou tenha a profundidade de uma dissertação jurídica, ou que o profissional de imprensa seja necessariamente um bacharel em Direito. Nada disso é preciso, nem seria conveniente complicar e polemizar o noticiário que envolva questões de Direito, como se fosse uma aula ou um seminário, pois, além de tudo, o normal é que a maioria dos leitores não tenha formação jurídica e, no entanto, esteja interessada em conhecer e compreender as repercussões jurídicas de um fato. Para tanto é suficiente que o jornalista fique atento e, se ficar em dúvida, consulte alguém que tenha conhecimento básico de Direito e das expressões jurídicas.

Semente da confusão

A imprecisão no tratamento de matéria jurídica é generalizada na imprensa brasileira, mas para ilustrá-la chamo a atenção para um erro em noticiário do jornal O Estado de S.Paulo, que é, sem dúvida, um dos órgãos mais importantes da imprensa brasileira.

Na edição de domingo (29/11), à página A13, encontra-se matéria com o título "Começa elaboração de novo Código Civil". Não é preciso ser jurista para saber que o Código Civil é uma das leis mais importantes do Brasil, sendo mais do que óbvio que para qualquer profissional da área jurídica é do maior interesse saber mais a respeito da elaboração de um novo Código Civil, pois, por sua abrangência, uma inovação dessa magnitude afetará direitos pessoais e patrimoniais. No entanto, além de dedicar poucas linhas ao assunto, diz o jornal: "A Comissão de juristas instituída pelo Senado para elaborar o anteprojeto de um novo Código de Processo Civil realiza amanhã sua primeira reunião".

O Código de Processo Civil é também uma lei muito importante, mas trata de procedimentos judiciais e não dos direitos, sendo, portanto, completamente diferente do Código Civil, soando também muito estranho que uma Comissão de juristas encarregada de elaborar um projeto de novo Código tenha sido instituída pelo Senado.

Há muitos profissionais da área jurídica querendo saber se está mesmo em elaboração um novo Código Civil brasileiro e quem são os juristas incumbidos, pelo Senado, dessa tarefa de extrema relevância. No caso aqui referido, a imprensa não só deixou de prestar um serviço relevante, que seria a informação correta sobre matéria de tamanha importância, para possibilitar aos interessados o acompanhamento dos fatos, mas lançou confusão, desinformando os leitores.

Companheira inseparável

Uma imprecisão de outra natureza, que se poderia qualificar como imprecisão intencional, tem sido registrada na matéria relativa aos acontecimentos de Honduras. O que lá ocorreu foi que o presidente da República, Manuel Zelaya, havia iniciado, ostensivamente, um movimento político tendo por objetivo mudar a Constituição para permitir sua reeleição. Por esse motivo foi destituído pelo Congresso, como prevê a Constituição, tendo a Suprema Corte reconhecido a constitucionalidade da destituição, decisão que foi recentemente reiterada, quando novamente chamada a se pronunciar sobre a matéria [ver, neste Observatório, "O fundamento legal omitido"].

De acordo com a Constituição, destituído o presidente o substituto deveria ser o vice-presidente da República, mas este havia renunciado ao posto para ser candidato à Presidência e, nos termos previstos na Constituição, quem assumiu a Presidência, em caráter interino, foi o presidente do Congresso, Roberto Micheletti.

Por tudo isso, não há dúvida de que Micheletti assumiu a presidência por meio rigorosamente legal, sendo, portanto, o presidente de direito a partir de sua posse. Entretanto, o que se viu na imprensa brasileira foi uma distorção intencional. Com efeito, enquanto muitos jornais brasileiros, como, por exemplo, O Globo, sempre se referiam a Roberto Micheletti como "o presidente interino de Honduras", o jornal O Estado de S.Paulo adotou a expressão "governo de fato" para designá-lo.
Essa forma de se referir a Micheletti contém um erro evidente, pois independente das preferências políticas ele assumiu a Presidência atendendo rigorosamente as normas constitucionais. Enquanto esteve na Presidência Michelleti foi presidente de direito, não de fato, tendo-se afastado espontaneamente às vésperas das eleições presidenciais realizadas normalmente, com absoluto respeito às determinações legais, no dia 29 de novembro.

Esse foi um caso de imprecisão intencional, de distorção da verdade por motivos que nada têm a ver com a qualificação jurídica. E não deixou de chamar a atenção o fato de que o mesmo jornal O Estado de S.Paulo jamais se referiu aos ditadores militares que governaram o Brasil como presidentes de fato ou governos de fato.

Assim como é reprovável a imprecisão por ignorância ou descuido, a imprecisão intencional deve ser repudiada, por ser incompatível com a imprensa responsável, que deve ser companheira inseparável da imprensa livre, ambas indispensáveis para a sociedade democrática.

domingo, 20 de setembro de 2009

Sobre Cegueira, Gripe Suína e Dignidade

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"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

O Direito somente prospera em tempos de paz. Não se trata de uma generalização, nem, tampouco, de um apotegma jurídico. É sim uma simples conclusão, mais provida de subjetividade que de qualquer outra coisa.

É sabido que o Direito se sustenta em dois pilares básicos. Primeiro a Justiça, imparcial e, ironicamente, cega. Em segundo, a Espada, que representa a força, a imperatividade das normas e a afirmação do legítimo monopólio estatal da violência e da força, como ensinou Max Weber. No entanto, estes dois pilares devem coexistir e se complementar reciprocamente. Quando há império de um sobre o outro, temos, de um lado, impunidade, ou, não mais grave, autoritarismo.

Diversos são os fatores que abalam as estruturas que afirmam o Direito como instrumento de poder, às vezes cego. Nos primeiros meses em que se falou da popularmente conhecida Gripe Suína, a China tomou medidas drásticas no sentido de isolar cidadãos de origem mexicana em condições humanas inaceitáveis, legitimando seu ato como preventivo em prol da saúde de seus nacionais.

Na obra Ensaio sobre a cegueira, do escritor luso José Saramago, nota-se um estado de barbárie assolando a natureza humana. A cegueira branca leva o ser humano a estágios degradantes de sua natureza e a cometer os mais nefastos atos. A dignidade antes havida, se torna algo distante no manicômio abandonado onde os personagens são remetidos à quarentena. O esquecimento das autoridades e a desumanização despem o homem dos atributos que lhe foram transmitidos pela história e reafirmados na sua própria sociedade. A única luta é pela sobrevivência.

A desumanização leva o homem, inevitavelmente, à desracionalização. Com a perda do homem racional, também se dissolve o objeto principal do Direito, tutelar as relações humana e servir de instrumento à promoção da dignidade.

Ainda, creio eu, empiricamente, se está por caminhar a um estágio de agravamento ainda maior da pandemia atual. A medida tomada na China, certamente, se repetiu e se repetirá em muitos outros países. Com o aumento das incidências da gripe suína, a luta pela sobrevivência se sobrepõe à dignidade, pois, ainda, as quarentenas se instalam em locais propícios à recuperação humana. Com a superlotação de hospitais e ambulatórios, as instalações só tendem a piorar.

Assim, Saramago nos leva a reconsiderar a amplitude do Direito como instrumento de poder e como meio regulador das relações interpessoais. Mostra-nos a fragilidade de um sistema que se sustenta soberanamente tão-somente quando a sociedade se encontra em sua normalidade, seja física ou mental.

Nairo J. B. Lopes
Imagem: INKA


sábado, 5 de setembro de 2009

"Meu tempo é quando"


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Quando eu for novamente jovem, pensarei menos no trabalho, e mais nos prazeres. Quando eu não tiver que me preocupar com problemas, dinheiro, filhos, carros e sabe-se lá o quê mais, tratarei de gastar, ou melhor, aproveitar meu valioso tempo com quem (ou o que) eu realmente quero. Quando eu não tiver que pensar em pecados, vícios e nas diversas coisas que me disseram que eu poderia ou não fazer, não mais terei certos problemas, receios e pudores em ser realmente eu. O problema é que quando eu for novamente jovem, ainda que no espírito, decerto não terei mais ânimo para me levantar da cadeira que estará na varanda, colocar de lado os livros que me proporcionaram a tão esperada juventude, e dominar o mundo como uma bola de futebol. “Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida”.

“Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba”[1]
Nairo J. B. Lopes


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[1]Samba da Benção, Vinícius de Moraes/Baden Powell. © Tonga Editora Musical LTDA / Direto; in "Vinicius & Odette Lara", in "Vinicius: poesia e canção - ao vivo - vol. 1"; in "Vinicius"; in "Vinicius + Bethania + Toquinho"; in "Songbook – Volume 1"; in "Vinicius".

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Conversa de Botequim


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Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol

Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão,
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...

Telefone ao menos uma vez
Para três quatro quatro três três três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório
Seu garçom me empresta algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro,
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente
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Composição: Noel Rosa/Vadico
No Youtube com Chico Buarque

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um o quê? Para onde? (sob uma nova ótica)


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Noutra postagem, logo abaixo, discorri, didaticamente, algo sobre a revogação da Lei de Imprensa. Quem assistiu ao televisionado Observatório da Imprensa teve a oportunidade de participar de uma aula de Direito e bom senso com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, o qual mostrou o outro lado acerca da revogação da sobredita lei e esposou, de forma clara, as suas razões sobre a imprescindibilidade do diploma de jornalista.

No que tange à revogada Lei de Imprensa, o Ministro entende que se abriu uma clareira no ordenamento jurídico vigente ao se falar em direito de resposta. Esclarece que, embora formalmente reconhecido e assegurado na Constituição da República brasileira, o direito de resposta carece de específicos regramentos. Fato este que possibilitará ao magistrado, caso o autor das ofensas negue o direito à réplica, traçar as regras a serem aplicadas ao caso in concreto, atuando, por consequência, como legislador positivo na matéria.

Em relação ao diploma do curso superior, o Ministro, ao sopesar os direitos em debate, entende pela obrigatoriedade do diploma, pois – em suas palavras – “o jornalista deve deter formação, uma formação básica que viabilize a atividade profissional no que repercute na vida dos cidadãos em geral.” E continua, “ele [jornalista] deve contar – e imagino que passe a contar, colando grau no nível superior – com técnica para entrevistar, para se reportar, para editar, para pesquisar o que deva publicar no veículo de comunicação, alfim, para prestar serviço no campo da inteligência” (RE 511.961-1).

Parece-nos que assiste melhor razão a este magistrado do que ao presidente do órgão, Min. Gilmar Mendes, que comparou a formação do jornalista à de um chefe de cozinha, ao dizer que “um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”.

Em semelhante figura (volto a dizer), o advogado já teve seus dias de fúria, ao ver profissionais não formalmente graduados postulando nos órgãos públicos destas terras tupiniquins. Eis a figura do rábula. Só espero que não vire mania no STF esse negócio de inutilizar diplomas, senão vou entrar na justiça pra pedir, integralmente, o montante que depositei na conta da minha universidade, mais os danos morais, acrescidos de juros de mora e honorários sucumbenciais! Amém!

Nairo José Borges Lopes

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Sobre sociedade, políticas públicas e mendigos


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Como muito se fala, o sistema capitalista gera – e está por gerar ainda mais – um grande contraste econômico-social. Uma grande concentração de riquezas nas mãos de uma classe dominante, enquanto a maioria dos cidadãos se subordina a condições indignas de trabalho, devido à pouca qualificação profissional face às exigências do mercado, combinada com a informalidade gerada pelos benefícios sociais estatais[1].

Fatores decorrentes desta estratificação social bipolar (os que têm e os que não têm) são vistos diariamente nos meios de comunicação, durante sua caminhada pela manhã, nos semáforos - sobretudo nas grandes cidades – e por onde mais nossos olhos ousarem pousar. Problemas relacionados aos altos índices de criminalidade, ao tráfico de drogas, à miséria etc., devem ser vistos como reais crises sociais, decorrentes principalmente do espírito individualista que repousa sobre todos nós (e aqui incluo enfaticamente nossos representantes parlamentares), impedindo-nos de olhar para além de nosso veículo, das janelas de nossa residência, do nosso próprio umbigo.

Uma consequência visível e recorrente desta exclusão social é a figura do mendigo. Não que o mendigo seja “vítima do sistema”, pois acredito que mesmo sem opções, um cidadão é capaz de buscar, por meios lícitos, seu sustento, ainda que irrisória seja a contraprestação obtida. Ocorre que, até meados de julho deste ano, a prática da mendicância era contravenção penal prevista no art. 60 do Decreto-Lei nº. 3.688/41.

A Lei nº. 11.983/09, felizmente, revogou o referido art. da Lei das Contravenções Penais, descriminalizando a prática da mendicância. Obviamente, a referida contravenção não mais levava ninguém à condenação. E se levasse, certamente, não iria educar infrator algum de modo a não mais praticar tais atos.

Noutro giro, de nada adianta a atividade legislativa se não houver por parte do Poder Executivo políticas tendentes a proporcionar uma alternativa capaz de levar esses cidadãos a outros nortes, proporcionando uma melhor alternativa de vida. Entretanto, o que percebo, é que os benefícios sociais do governo são bem capazes de abastar o cidadão brasileiro, pois, com o peixe caindo gratuitamente na mão, que animal racional aprenderia a pescar?

Nairo J. B. Lopes
Imagem: André Costa
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[1] Leia o artigo de Rodrigo Constantino, intitulado “Sou Imbecil e Ignorante”.

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sexta-feira, 24 de julho de 2009

Um bocado de poesia [e lá se vai mais um dia]


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Sol que vira ventania
e a chuva cai sem parar

As cores transbordam de alegria
e as nuvens insistem em chorar.
Nairo. j. b. Lopes

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terça-feira, 21 de julho de 2009

Um avanço para a Democracia


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O Supremo Tribunal Federal, no dia 30 de abril deste ano, por maioria, julgou inconstitucional a antiga Lei de Imprensa (Lei n°. 5.250/67). O STF se pronunciou no sentido da referida lei ser incompatível com a atual ordem constitucional estabelecida em 1988.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a liberdade de expressão alcançou patamares nunca antes vistos. E a antiga Lei de Imprensa, editada em um período de exceção institucional, era antagônica aos princípios e fins almejados pelo moderno Estado Democrático de Direito.

O que se percebe nos atuais pronunciamentos do STF, seja por via recursal ou originária, é que a liberdade de expressão é um dos pilares da democracia brasileira, como afirma o próprio decano do órgão, ministro Celso de Mello.

A lei fazia parte do seleto grupo de normas vindas a lume no período ditatorial. Logo, nas palavras da ministra Cármen Lúcia, a Lei de Imprensa tinha por fim “garrotear” a liberdade de expressão, sendo sua missão – aqui não mais em suas palavras – tão efêmera quanto fora o período de exceção vivido por este país.

A inconstitucionalidade da Lei de Imprensa não irá gerar - como já se pensou - uma clareira no ordenamento jurídico brasileiro. A matéria por ela tratada pode ser seguramente regrada pelas normas já existentes em nosso direito pátrio, como o direito de resposta, proporcional ao agravo (art. 5°, V, da CF/88), as indenizações por dano material, moral ou à imagem (pelo Código Civil) e a punição por crime de calúnia, injúria e difamação, tipificados no Código Penal.

E, nesse contexto, vale citar aqui a recente decisão proferida na 7ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro/SP, que condenou a TV Globo e a apresentadora Ana Maria Braga ao pagamento, a título de indenização, de 150 mil reais à juíza Luciana Viveiro Seabra. Segundo a decisão, a apresentadora do programa matinal “Mais Você” teria sido parcial ao emitir opinião negativa acerca do deferimento de Liberdade Provisória a um réu, acusado de agredir e manter refém sua namorada, vindo, após sua soltura, a sequestrá-la novamente, matá-la e suicidar-se logo em seguida. Ana Maria Braga, assistida em demasiada audiência pelas donas de casa e crianças – que não vão à escola pela manhã e aguardam ansiosamente pelos desenhos animados – após dizer em rede nacional, em 20/11/07, o nome da juíza que havia deferido o pedido de liberdade, emitiu opinião dizendo: “essa juíza tem que pensar um pouco, né... Acho que todos os juízes, né!”. Para saber mais, clique aqui.

Deste modo, podemos notar que o princípio da livre expressão do pensamento está muito bem resguardado no órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. E jornalista não é tão somente quem possui diploma, mas quem tem capacidade ética para exercer a atividade comunicativa. E, assim como no mundo jurídico havia o rábula, o jornalismo também se dispõe atualmente de semelhante figura. E, assim como vários rábulas eram melhores que muitos advogados, muitos pseudojornalistas (agora sem hífen) deixam no chinelo muitos dos diplomados pelas universidades do país.

Nairo José Borges Lopes

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sobre Severinos, morte e vida




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“[...]Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia [...]”

João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Algemas: entre o uso e o abuso


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Há 20 anos da promulgação da Constituição Cidadã, podemos até pensar que nosso Estado Democrático de Direito anda a passos largos. Entretanto, em linhas históricas, tão pouco tempo é o bastante para amadurecer algumas idéias, aplicar outras e deflagrar paradigmas impregnados de autoritarismo. Com esse norte, o Supremo Tribunal Federal, aprovou, em Sessão Plenária de 13/08/2008, a Súmula Vinculante 11, que dispõe sobre o uso de algemas.

A Súmula Vinculante possui a seguinte redação:

“só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado”.

Depreende-se da clara redação que o uso de algemas deve ser pautado em princípios cardeias como o da dignidade da pessoa humana, da presunção da não-culpabilidade, da razoabilidade, dentre outros. Note-se que o princípio da razoabilidade, por diversas vezes, quando aplicado devidamente, presta-se a desenferrujar as engrenagens de um sistema jurídico extremamente legalista e apegado tão somente à letra fria da lei.

A Súmula transcrita acima traz alguns requisitos para que o uso das algemas não se torne abusivo (casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia; justificada a excepcionalidade por escrito). Se, no momento em que efetua a prisão do cidadão, a autoridade policial não pautar-se pelos ditames da súmula, esta prisão se torna ilegal (abuso de autoridade), devendo ser relaxada, conforme mandamento constitucional previsto no inciso LXV, do art. 5° da Carta de 88.

Diga-se ainda mais reprovável o uso permanente das algemas durante as audiências com o acusado quando, de nenhuma forma, este se mostra agressivo ou perigoso. E foi justamente tendo como um dos precedentes do STF a anulação de um julgamento do Tribunal do Júri do Estado de São Paulo (clique aqui), onde o acusado permaneceu algemado perante o tribunal durante toda a sessão de julgamento, que se ergueu a Súmula Vinculante n° 11.

Há vozes no sentido de julgarem inconstitucional a referida Súmula Vinculante, concernente à inobservância dos requisitos previstos no art. 103-A, da CF/88, para sua edição. Porém, este é um assunto para outra conversa.

Nairo J. B. Lopes

sábado, 31 de janeiro de 2009

O “midiatismo” Penal


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Como já foi dito, processos “midiáticos” geram soluções “imediáticas”. No Brasil, não raras vezes, se vê uma movimentação, um reboliço posterior a crimes de grande comoção social e televisiva. Temas como diminuição da maioridade penal (imputabilidade penal), agravamento de penas, penas de morte, perpétuas etc., fomentam as discussões populares. Tais fatos, por vezes, findam no que se chama “reação emocional legislativa”.

No artigo de Luiz Flávio Gomes, intitulado “Mídia e Direito Penal”¹, o jurist
a cita os casos trazidos por Laura Diniz (O Estado de São Paulo, 18/05/2008, p. C6), que nos mostra alguns casos de grande repercussão nacional que tiveram por fim a criação e a modificação de leis. Vejamos:

1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina – irmão de um parlamentar, na época – etc.) veio
a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais etc.;

2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente
pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos (veio, com isso, a Lei 8.930/1994, que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo);

3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agre
dindo e matando pessoas na Favela Naval (Diadema-SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997);

4) em 1998 foi a vez da "pílula falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de Direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do "escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98, para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em quarenta e oito horas;

5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor ("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;

6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);

7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do r
oubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;

8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei
vigente). Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");

9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri.

Nota-se, deste modo, que a máquina legislativa penal-emergencial brasileira, sem dúvida, é movida na maioria das vezes por reações populares e direcionada a diminuir o número de vozes que clamam por penas mais rígidas e tratamento diferenciado a criminosos de maior periculosidade. Com certeza, a sociedade e principalmente os infratores merecem uma resposta proporcio
nal ao crime que cometeram. A sensação de impunidade desprestigia o próprio Estado e seus Poderes. E tais respostas de nada adiantam quando se baseiam em leis de pouco aplicabilidade. Não basta somente aumentar a pena máxima quando a mesma, em seu mínimo legal, propicia diversos benefícios ao acusado; não basta somente reduzir a imputabilidade penal e inserir os “menores” num sistema carcerário incondizente com os fins ressocializadores da pena. As mudanças devem partir de todas as áreas ligadas ao tema, desde as suas raízes, pois, do contrário, estaríamos mais uma vez “tapando o sol com a peneira”.
Nairo José Borges Lopes
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¹ GOMES, Luiz Flávio. Mídia e Direito Penal. Em 2009, o populismo penal pode explodir. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2040, 31 jan. 2009. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12274 >. Acesso em: 31 jan. 2009.


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