quinta-feira, 28 de julho de 2011

Conversando sobre sociedade, tolerância e fraternidade


A cegueira dos tempos
Texto publicado no Jornal dos Lagos.

            A sociedade contemporânea situa-se na pós-modernidade, a época da velocidade, do efêmero, do volátil e da pluralidade. Nem a razão, nem a religião são capazes de nos fornecer respostas prontas, acabadas e absolutas. Opera-se a desconstrução de mitos e valores transcendentais, abrindo o mesmo espaço à múltiplas visões de mundo, onde o “outro” não “deve ser” visto como meu inimigo, mas como companheiro em busca de um mundo melhor e mais compreensível.
            Veja bem, o que “deve ser” nem sempre, de fato, “é”. A realidade traduz a angústia e a insegurança dos tempos atuais. Massacres violentos, mortes banais e o esvaziamento dos valores nos convidam à reflexão e ao debate. Diuturnamente, mais e mais informações nos chegam dando conta de atos motivados por doutrinas extremistas, preconceituosas, enfim, cegas. Assim como Saramago nos leva a pensar a cegueira que conduz o homem ao sintoma de alienação de si mesmo, a realidade não nos permite diferenciar civilização de barbárie.
            Na intersubjetividade o convívio com o outro passa a ser autorreferente, ou seja, as relações interpessoais somente ocorrem se um puder usufruir ao máximo do outro, satisfazendo suas necessidades materiais ou psicológicas. Já não nos vemos como indivíduos, dotados de particularidades, pois já não as possuímos. Construímos falaciosamente nossa personalidade sobre padrões, bens de consumo, doutrinas sem fundamento, pelas quais assumimos somente a forma e deixando de lado a substância, o conteúdo. Neste cenário, as pessoas tornam-se massas hegemônicas, diluídas em prol de uma vida inautêntica, para lembrarmos de Heidegger.
            A relação com o outro, que no fundo contribui para o nosso próprio aprimoramento, é apenas superficial, dada a nocividade do estreitamento de laços. A fraternidade, que já fez par com a liberdade e a igualdade, deveria guiar-nos. Mas o que vemos, cada vez mais, é uma impessoalidade. Estamos na era do “tanto faz”, ou pior, da intolerância. A democracia, que deveria engrandecer o espaço público, mostra-se, para alguns, nociva, na medida em que determinadas “minorias” titularizam direitos fundamentais ou têm acesso ao mínimo existencial. A perda da exclusividade de acesso de determinadas classes à modernidade fomenta um discurso neoliberal, que propugna o enfraquecimento do Estado – e, consequentemente, das políticas públicas e sociais -, apostando na capacidade de cada um dar conta de si.
            Ao sopesarmos tudo isso, no final das contas, o que precisamos mesmo é de tolerância e de compreensão. A valorização e o melhoramento do homem somente se dará pelo respeito (religioso, político etc.), de modo que não mais há somente um caminho para alcançar o afamado ideal de vida boa, aqui compreendidos, dentre outros, os sucessos financeiro, familiar, profissional, espiritual. Convivemos, afinal, com múltiplas visões de mundo e é por esta razão que nas concessões e relações de cada um com o outro melhoramos a nós mesmos.

Imagem: A cegueira dos tempos, de Pedro Benavente.

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