quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Pedofilia é crime?


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Com ênfase, há tempos têm sido noticiados nos meios de comunicação, casos relativos a crimes de natureza sexual cometidos contra crianças. Aos autores e praticantes de tais atos tem sido atribuído o título “pedófilo”. No entanto, esta expressão em nada se relaciona com a barbárie cometida pelos criminosos e tampouco é tipificada no Código Penal brasileiro como crime.

Pedofilia, etimologicamente, significa amizade ou amor a crianças. Há interpretações no sentido de analisar o termo “filia”, neste contexto, como um sentimento perverso, tendente a fomentar a lascívia. Interpretações literárias à parte, o que se vê atualmente é um erro se transformar em costume.

Se me lembro bem, o termo pedófilo passou a ser usado com maior freqüência pela mídia a partir de relatos envolvendo o astro da música pop, Michael Jackson. A partir daí, diversos casos passaram a ser publicados diariamente noticiando a mesma conduta, envolvendo desde padres até autoridades e celebridades nacionais e mundiais. E, como não poderia ser diferente, o fiel público brasileiro, muito [in]corretamente assimilou a informação e promoveu acirradas e polêmicas discussões envolvendo o “crime de pedofilia” relacionado aos atos atentatórios à liberdade sexual infantil.

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5°, inciso XXXIX, traz o princípio da legalidade ou reserva legal. “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Nota-se que tanto a CF/88 quanto o Código Penal adotam tal princípio fundamental, próprio de um Estado Democrático de Direito e instituidor de segurança jurídica e garantia individual. Deste princípio se extrai que jamais haverá crime não tipificado em lei, i.e., o ser humano só poderá ser processado e punido quando existir lei formal dizendo que determinada conduta é crime. Ressalte-se também que cada crime possui uma denominação jurídica própria que o individualiza (nomen juris) que pressupõe todos os seus elementos. É por isso que, ao ouvirmos dizer “furto”, “roubo”, “homicídio”, “estelionato” etc., logo projetamos, de algum modo, a conduta que a pessoa praticou e relacionamos ao tipo do crime. Sendo assim, não há o crime “pedofilia” tipificado em nosso Direito pátrio, sendo tal ato relacionado a outros crimes.

O Código Penal, no que se refere aos crimes contra os costumes, notadamente os de natureza sexual ou libidinosa, bem como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), “falam de crimes de que podem ser vítimas as crianças, mas cujos eventuais autores jamais serão pedófilos”¹. O que, na maioria dos casos ocorre, são crimes de estupro e/ou atentado violento ao pudor dos quais são vítimas crianças. Note-se, caso a criança seja (e muitas vezes é) menos de 14 anos, há presunção de violência. No dizer de Luiz Regis Prado, “a razão da tutela, pelo que se depreende da própria Exposição de Motivos do Código Penal, reside na innocentia consilli do sujeito passivo, ou seja, ‘a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento”².

Há vozes no sentido de abrandar levemente a tipicidade da conduta envolvendo menores, defendendo idéia no sentido de que a realidade social atual sofreu significativas mudanças concernentes à educação sexual, havendo pré-adolescentes que muitas vezes se prostituem. Os defensores dessa idéia entendem que não haveria o delito quando a suposta vítima já atingira maturidade sexual necessária e suficiente para discernir se lhe é conveniente ou não praticar o ato libidinoso. Nota-se, por se tratar de Direito Penal, qualquer tentativa de relativizar as presunções legais pode calhar em verdadeira ofensa ao princípio da legalidade, devendo tal linha de pensamento ser analisada do modo mais criterioso possível por se tratar de crianças.

Por fim, é louvável a iniciativa da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) em reduzir o abismo que muitas vezes separa o Jornalismo do Direito, ao promover a permanente campanha pelo fim do “juridiquês”. A associação promove a “Campanha pela Simplificação da Linguagem Jurídica”, tendo por publicado o livreto “O Judiciário ao alcance de todos”, o qual pode ser lido na íntegra em seu portal eletrônico. Deste modo, toda iniciativa tendente a reduzir as diferenças entre os três sujeitos desta história (Direito, Mídia e Cidadão) é de grande valia, pois “o povo só respeita aquilo que conhece e entende”.

Nairo José Borges Lopes


¹MORAES, Bismael B.. Pedofilia não é crime. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 3, out. 2004.
²PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. – 4ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007.

Um comentário:

  1. Caro amigo e colega universitário, este seu texto certamente foi o melhor até agora, muito proveitoso foi ele e agradeço muito por compartilhar vosso conhecimento conosco...

    Paz Profunda

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