sábado, 31 de janeiro de 2009

O “midiatismo” Penal


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Como já foi dito, processos “midiáticos” geram soluções “imediáticas”. No Brasil, não raras vezes, se vê uma movimentação, um reboliço posterior a crimes de grande comoção social e televisiva. Temas como diminuição da maioridade penal (imputabilidade penal), agravamento de penas, penas de morte, perpétuas etc., fomentam as discussões populares. Tais fatos, por vezes, findam no que se chama “reação emocional legislativa”.

No artigo de Luiz Flávio Gomes, intitulado “Mídia e Direito Penal”¹, o jurist
a cita os casos trazidos por Laura Diniz (O Estado de São Paulo, 18/05/2008, p. C6), que nos mostra alguns casos de grande repercussão nacional que tiveram por fim a criação e a modificação de leis. Vejamos:

1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina – irmão de um parlamentar, na época – etc.) veio
a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais etc.;

2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente
pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos (veio, com isso, a Lei 8.930/1994, que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo);

3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agre
dindo e matando pessoas na Favela Naval (Diadema-SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997);

4) em 1998 foi a vez da "pílula falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de Direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do "escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98, para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em quarenta e oito horas;

5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor ("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;

6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);

7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do r
oubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;

8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei
vigente). Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");

9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri.

Nota-se, deste modo, que a máquina legislativa penal-emergencial brasileira, sem dúvida, é movida na maioria das vezes por reações populares e direcionada a diminuir o número de vozes que clamam por penas mais rígidas e tratamento diferenciado a criminosos de maior periculosidade. Com certeza, a sociedade e principalmente os infratores merecem uma resposta proporcio
nal ao crime que cometeram. A sensação de impunidade desprestigia o próprio Estado e seus Poderes. E tais respostas de nada adiantam quando se baseiam em leis de pouco aplicabilidade. Não basta somente aumentar a pena máxima quando a mesma, em seu mínimo legal, propicia diversos benefícios ao acusado; não basta somente reduzir a imputabilidade penal e inserir os “menores” num sistema carcerário incondizente com os fins ressocializadores da pena. As mudanças devem partir de todas as áreas ligadas ao tema, desde as suas raízes, pois, do contrário, estaríamos mais uma vez “tapando o sol com a peneira”.
Nairo José Borges Lopes
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¹ GOMES, Luiz Flávio. Mídia e Direito Penal. Em 2009, o populismo penal pode explodir. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2040, 31 jan. 2009. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12274 >. Acesso em: 31 jan. 2009.


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