quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Política, Jardins e Desertos

Outro dia, lendo Rubem Alves¹, descobri a relação entre política e jardinagem. Se perguntarmos aos hebreus o que eles entendem de política, diz Rubem, nos responderiam: a política é “a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas”. Isso porque o povo hebreu, nômade como é, não sonha com cidades, mas sim com oásis, com jardins, pois vivem a caminhar no deserto. E a história bíblica inicia-se com um jardim paradisíaco, não com uma cidade.
O bom político é aquele que sonha em construir um grande jardim; um grande jardim público, não um grande jardim particular. O político que aumenta o seu próprio jardim só faz aumentar o deserto lá fora. Maquiavel já chegou a dizer que ser um político virtuoso não é ser uma “pessoa boa”, moral e ética, mas sim conseguir manter-se no poder e usufruir ao máximo dessa situação. Creio que Maquiavel era um cultivador de desertos, não de jardins.


A democracia, teoricamente, é em suma o governo do povo, pelo povo e para o povo. Mas não são todos que entendem de jardinagem. Por isso, elegemos jardineiros aptos a cultivarem os mais diversos tipos de solo, nos mais variados climas e locais.

O Estado, como coisa pública, res publica, deve servir ao bem comum e não a fins privados ou a grupos econômicos. Isso todos nós sabemos. E devemos ter ciência também de que, há poucas décadas, o jardim era mata fechada, com muito mais espinhos e governado por tiranos selvagens. Contudo, há quem diz preferir que assim ainda fosse.
Hoje, o nosso Estado Democrático de Direito garante-nos uma série de direitos fundamentais e por outro lado nos impõe deveres. Nosso “documento da liberdade” é nossa salvaguarda do Estado e é o que nos permite interferir nos diversos ramos de nosso jardim para que ele aumente e dê frutos a serem usufruídos por todos. O bom político possibilita que isso aconteça, faz com que o jardim cresça e prospere. O mau político (expressão muitas vezes pleonástica) só faz crescer o seu jardim particular e aumentar o deserto dos outros. E pensando nisso, me lembro que o Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, se encontra mais atual que nunca quando diz “Grandes são os desertos, e tudo é deserto”.
Nairo José Borges Lopes


¹ALVES, Rubem. Conversas sobre política. –Campinas, SP:Verus, 2002.

Um comentário:

  1. Assisti uma palestra do Rubem Alves em 2006 na Feira do Livro. Assim como tudo que li dele, foi excepicional. Agora que vi a nova cara do seu blog.Passarei a visitá-lo com mais constância.

    Abraço, Nairo!

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